quarta-feira, 30 de março de 2011

Publicizando.

Algumas linhas de introdução...

Engraçado como nos enxergamos em constantes contradições e incoerências. Há algum tempo eu não abriria mão de uma boa e velha agenda-diário, com frases e versos tirados de um texto maior qualquer que muito ilustrasse minhas fases e momentos, sem esquecer, é claro, dos enfeites artesanalmente elaborados com minhas canetas coloridas. Hoje abro meu notebook para escrever linhas de minha própria autoria com o objetivo de registrar notas pessoais.

Contradição Nº 1: sempre gostei do cheiro do papel e de minhas canetas coloridas bem mais do que da luz forte do computador e das tecnologias modernas. Aliás, me sinto analógica na era digital, mas, impelida pela necessidade de expandir meus horizontes, me vejo bem dependente da internet.

Contradição Nº 2: lia agora a pouco um livro de auto-ajuda intitulado Você pode ser feliz sem ser perfeita e repetia a mim mesma como é pungente a necessidade de solvermos nossos problemas diários e, diante dessas necessidades, como recorremos a qualquer tipo de recurso, mesmo àqueles que muitos mais nos ludibriam do que efetivamente transformam nossos caos internos em tranqüilidade. Ah, repetia a mim mesma também como detesto respostas prontas no melhor estilo “Seus problemas acabaram!”. Todos reflexos da vida moderna. E, fazendo jus a contradição que pontua este parágrafo, cá estou eu desabafando (com o auxílio do Word e através de um blog) minhas pequenas epifanias cotidianas.

Mas, para além destas e de tantas outras contradições por mim já incorporadas, tenho surtos de escrita. Uma vontade quase que inconsciente e momentânea de escrever para expressar minhas inquietações e partilhá-las com o mundo. Sou uma pessoa, ser humano, e como tal, preciso de sociabilidade, de troca, de interação, ainda que prejudicadas pela distância entre os corpos e pela inviabilidade física de fixar meus olhos nos olhos de meu interlocutor. E, nesse aspecto, continuo achando que a modernidade muito mais errou que acertou, apesar de as redes sociais cumprirem seus papéis de “encurtar” tais distâncias. Pois bem. Eis aqui um de meus surtos, que vem com o intuito de deflagrar um momento completamente novo na minha história e, portanto, gritando pra ser registrado.

A propósito de documentar experiências inéditas, percebo que nunca o tinha feito antes. Vivemos e crescemos a partir desses fatos, que podem ser grandes ou pequenos, mas novos e, uma vez vividos, logo serão velhos e saberemos (espera-se) como lidar com eles quando se repetirem. Assim foi com a morte, quando se manifestou da primeira vez tão próxima a mim e hoje, ainda dolorosamente, não me é mais estranha. Na ocasião da proximidade da morte com a minha vida, não registrei de nenhuma forma como eu a sentia e encarava, de modo que não posso perceber de maneira mais clara como evoluí (se é que evoluí), como enfrentei a dor e se há diferenças no que penso e sinto hoje. Agora o que venho a tomar nota nos presentes escritos é algo igualmente grande em importância, dada a reviravolta capaz de me causar, e opostamente leve.


Enfim, as confissões de uma bacharela.

Sim. Opostamente! Falo de minha formatura e da conclusão de um ciclo e início de uma nova etapa. Nova mesmo. Não porque seja um recomeço (que pra mim não o é, pois dessa forma não seria nova), mas porque é totalmente diferente de tudo o que já vivi antes. Muito mais diferente do que foi o ensino médio do fundamental ou mesmo o ensino superior do ensino médio. Embora sejam fases distintas e a Universidade me tenha sido uma verdadeira escola de desafios e de experiências intensas, bases do que hoje sou e desejo ser /fazer, o momento atual é de quebra da minha rotina. Uma ruptura rápida e violenta com todas as práticas que desempenhava até então. Apesar de toda a precariedade da instituição pública em que logrei o grau de bacharela e da questionável lógica de ensino que em nada me contemplava, é inegável que antes eu tinha uma profissão e ocupava um espaço: eu era estudante, e nos últimos cinco anos, aluna da Universidade Estadual do Piauí. Como tal, a mim correspondia um lugar de fala, uma categoria, um espaço de luta e uma vaga na sala de aula ou em qualquer atividade desenvolvida pelo corpo discente desta instituição.

Mas porque tal acontecimento é “opostamente leve” à morte? Você pode estar se perguntando. Não pareço ter motivos para estar leve, haja vista que saí de um lugar para o nada. Não tenho categoria, nem vaga. Não represento, com minha fala, os anseios de ninguém a não ser os meus e nem tenho compromissos marcados, horários a serem cumpridos ou atividades a serem executadas em prazos determinados. Meu lugar sou eu, meus hábitos diários, meus planos e, para ser bem sincera, minha bagunça e minha atual incapacidade de dar iniciativas a meus passos. Elaborei para esse momento inédito de minha vida uma lista de afazeres necessários e de procedimentos urgentes para encaminhar - pequenas e grandes coisas que adiei por acreditar que somente agora teria tempo e disposição para cumprir. Mas meu corpo não tem atendido à minha vontade e anda bem dissonante da mente. Sem falar nas expectativas sociais e particulares sobre os possíveis rumos em que o meu diploma pode se transmutar.

Então porque “leve”? Você insiste em indagar. Posso ser uma exceção à regra, mas me sinto verdadeiramente leve nesse momento de possíveis incertezas e vazios. Não me sinto culpada ou pior pela minha leveza. E testemunho que ela é exatamente como eu esperava que fosse. Ao contrário do que possa parecer, minha leveza não faz de mim uma irresponsável incorrigível, mas somente traduz o que tanto desejei para meu espírito ao fim da jornada acadêmica. A leveza de que falo ganha para mim a conotação de serenidade. Em um mundo onde as pessoas têm muita pressa, comigo talvez não seja tão diferente: também desejo estabilidade, dinheiro certo ao fim de cada mês. Além disso, minha independência é tudo de que preciso para viabilizar a concretização de outros planos, maiores e melhores. Porém a minha pressa não é maior do que meus sonhos. Para buscar sonhos, há que se ter paciência. E meus sonhos exigem uma realização construída, batalhada, conquistada. Antes da pressa, preciso de dedicação, determinação e persistência, porque estou certa de que não sonho pouco e nem baixo.

Não consigo interpretar o presente momento como incerto ou olhar para mim e enxergar uma desempregada. Minha leveza (ou serenidade) me transporta para um ponto inicial. Um ponto de onde devo partir para alguma direção, que não me parece obscura. Acho que sei o que quero e por onde devo ir. Então, sou alguém com perspectivas, não com expectativas que poderiam ser frustradas por não ter um emprego à vista; alguém que vislumbra possibilidades e que acredita que é possível alcançá-las, mesmo que não sejam concretas neste exato momento. Alguém que começa a pôr seus pés e cara no mundo, sabendo que esta é uma fase transitória. Creio que esse seja o momento de lutar com foco pelos espaços que devo ocupar, mas é, sobretudo, um momento para refletir sobre meus passos e iniciar a organização do tempo, do organismo e das atividades que há tanto espera por mim.

Onze dias atrás eu ainda pulava e gritava de felicidade no baile de formatura da minha turma. Agora, tudo que consigo fazer é ouvir o silêncio da calmaria dos meus dias e perceber a força dos meus pensamentos em torno dos meus objetivos. Fica a saudade dos meus amigos queridos e “artesãos de um novo direito”, a vontade de fazer valer à pena todo o esforço (meu e dos meus pais) despendido para que esse momento de serenidade fosse possível e a certeza de que há vida com lucidez após a formatura e muitos sonhos por conquistar.

Cobranças? Há. A de não permanecer parada. Não posso mesmo me dar esse luxo, embora esses onze dias digam o contrário. Tristeza? Sim, a de perceber que a construção coletiva que pude experimentar intensamente ao lado de eternos amigos e companheiros também se tornou um luxo, verdadeira jóia rara a qual não posso mais ostentar como gostaria. Agora é cada um por si e Deus por todos, desesperadoramente. E, apesar dos pesares, em um passo de cada vez, as coisas podem se ajeitar.

P.s.: Não por ostentação, contrariamente ao valor inestimável da jóia rara descrita no parágrafo anterior, preservo em meu dedo um anel de formatura com que fui presenteada. Se o anel de formatura simboliza o casamento entre o sujeito e a profissão que escolheu para exercer, mantê-lo em minha mão esquerda após tanto repudiá-lo representa com que direito me casei e desejo me relacionar por toda minha vida: o direito que me encanta e seduz, que me arrepia a cada manifestação de existência é um direito que vislumbro muito mais no vermelho de amor do rubi do que na LEX prata e morta, ambos incrustados neste anel.