terça-feira, 9 de abril de 2013

amor e a função fática da linguagem - carta à minha mãe


Oi mãe;

Nossa, há quanto tempo não uso esse vocativo. Parece estranho saindo de mim. É que essa não sou mais eu. Até tiveram algumas moças amadas que me adotaram como filha, cada uma de sua maneira e em seu contexto. Mas cê sabe, né: mãe mesmo, só minha Regina. Aliás, quero começar essas linhas fazendo uma pequena mudança na nossa relação: em vez de ‘senhora’, serás ‘você’, ‘tu’. Já tô um pouquinho crescida, sinto que já passamos daquela fase da menina filhota da mãe. Podemos ser amigas. É disso que isso aqui se trata.

De vez em quando, até involuntariamente, você vem até mim nuns lapsos muito grandes de memória. Remonto na mente alguns acontecimentos em questão de segundos, tudo seguindo a ordem cronológica. Nesses momentos, fica uma sensação de que não foram apenas 16 (dos quais pelos menos os primeiros quatro eu não lembro), mas uns 40 anos que estivemos juntas, lado a lado. Foi uma vida. Mas sinto muito por durante essa vida não termos tido tempo de deixar de lado nossas diferenças e desentendimentos e sermos mais amigas. Sei que você sabe que quando criança eu desenvolvi aquele típico amor edipiano por papai e era no colo dele que eu ficava bem, quentinha e segura. De alguma forma, isso me afastou de você na infância e eu achei por muitos anos que o Júnior era seu preferido. Como se não bastasse, fui uma adolescente trancada, difícil de conversar. Não conseguimos dialogar. E o clichê é verdadeiro: se eu soubesse o que sei hoje, que o tempo era curto, teria feito muita coisa diferente.

No entanto, escrever essa carta é assumir que você vive em algum lugar. Certamente aqui, no meu coração do tamanho da minha mão fechada, você está. Então, ainda é tempo de revermos algumas coisas. Temo que eu vá dizer muito do que você já conhece. Mas tem tanto tempo que quero te falar...

Pra começar, sabe aqueles 40 anos em 16? Foram minha primeira vida. Depois daquele julho de 2003, morreu uma parte tão grande de mim que eu tive de nascer de novo. Já são dez anos de uma nova Juju (como só você me chamava) e acho que essa é a primeira carta que te escrevo. Faço isso (escrever cartas) como já fiz com alguns amigos que não vejo há tempos, ou como já fiz com papai (porque ainda não consigo falar com ele), ou ainda com os sentimentos que a gente sabe que são maiores do que a gente (e aí fica difícil ter uma ‘conversa’ horizontal). Escrevo cartas quando as palavras imploram pra serem liberadas de mim, para remetentes difíceis de alcançar.

Quero te falar da vida no lado de cá. Na verdade, quero falar de como as coisas ficaram na sua ausência. Definitivamente você soube passar por esse mundo, porque é impressionante como você ainda tá aqui, em tudo. Cê sabe, o apartamento ficou grande, mas também é muito pequeno diante de tudo o que você nos influenciou a ser. Sua marca é muito grande. Nós ainda estamos perdidos.

Tem dia que a gente fala tanto no seu nome. Tem dia que a gente caça jeito. É que você tá em nós e, ao mesmo tempo, sobre nós, sacralizada. E é sem querer. Porque você era gente do jeitinho imperfeito que foi. A gente até imagina seus trejeitos e atitudes em algumas situações que vivemos. Condutas hilárias, certas, criticáveis. Ah, mãe... cê era tão sua, tão Maria Regina. Uma das maiores contradições em forma de gente que já conheci.

Papai continua daquele jeito, dono da razão de todas as coisas do universo. Matemático por pura definição e identificação. Pragmático demais, correto demais, forte demais, teimoso demais, difícil demais. Aquelas coisas que a gente sabe que são demais porque tem que esconder as que são ‘de menos’ e que ele não admite pra ninguém. Eu sei que você as conhecia melhor do que qualquer pessoa. Mas eu às vezes tento chegar perto, sabe. Ele sente falta da sua companhia e do seu companheirismo. Acho que você foi (e ouso dizer que ainda é) a melhor amiga que ele já teve. Mas a gente de carne precisa de um abraço de vez em quando e, na sua ausência, eu tento pelo menos segurar a mão dele, pesada e tão parecida com a minha. A propósito, você que sabia como lidar com o convívio, me manda a fórmula em forma de algum sinal. Eu tenho tentado, tem parecido impossível.

Jr, teu primogênito... é uma figura. Mãe, ele é feliz. Muito feliz. E sou feliz por ele. Perdeu o juízo, anda sem limites. O mundo pra ele é só o começo, todo dia. Eu e papai ficamos em casa com coração apertado de medo. Se você tivesse aqui, talvez ele maneirasse mais. Talvez não. Porque ele é assim e tá feliz. Só me resta ouvi-lo, rir com ele, aproveitar um tantinho da aventura dele pela vida. Ele cuida de mim, quando quer. Gosta de me agradar, como sempre. Ele tá mais individualista, cabeça dura, mas é a alegria dos meus dias. A gente inventa e descobre umas gírias novas e se pergunta se você as adotaria também, só pra entrar no nosso clima, como você fazia. Meu irmão, mãe, é o único que tenho (lembra quando você repetia isso pra nós, sempre?) e o maior presente que você me deixou. Mil vezes, obrigada.

Sabe, fico aqui me perdendo/encontrando em palavras... Inevitável lembrar de você. Elas, as palavras, são alguns dos teus maiores legados em minha vida. Nesses dez anos, eu me relacionei com elas com muito mais troca. Umas vezes elas me derrubaram, noutras, eu as desdobrei. Hoje acordei lembrando de etimologia e de como você fazia questão de ressaltá-la quando me ensinava. ‘Regência, de regere: regular. Os verbos são regidos por determinadas normas, traduzidas lexicalmente por conjunções e pronomes.’ você dizia. Perguntei se seu nome tinha origem etimológica próxima à da palavra regência. Você me disse: ‘Regina quer dizer rainha, em latim.’ Desde então soube que você era essa contradição: rainha na minha vida, sem nunca tê-la regido. Você o era porque era a mulher que eu mais amava e de quem eu seria súdita pelo coração, mas você não era capaz de me moldar. Hoje isso mudou um pouco. A Juju aqui sabe que você é bem mais rainha do que ela poderia um dia imaginar que você seria.

Da etimologia às normas gramaticais, ao rearranjo das palavras, aos neologismos e figuras de linguagem, à poesia dos versos e à prosa que lia nos teus livros... perpassei esses trilhos por sua influência direta e construí um amor incondicional pelas palavras. Por esse amor (que como todo amor, tem seus altos e baixos) venho descobrindo que nós duas temos muito mais em comum do que sabíamos antes. É algo que os números da matemática do papai nunca vão atingir. Isso explica a minhas péssimas notas na matéria dele, inexistentes, durante minha vida inteira, no seu português (depois da sua partida, tive um ensino médio de glórias na nossa língua pátria e quase fechei os cinquenta pontos no vestibular. achei que você gostaria de saber). Mas nosso amor pelas palavras nos aproxima em muitas outras coisas...

Nós duas sempre fomos muito conscientes da insuficiência delas. Você e eu, duas utópicas. Como eu te entendo, mãe! Cresci ouvindo que papai era a voz da razão nesse apartamento. Tudo na ponta do lápis, orçamento mensal calculado, anos e metas planejadas. Você era quem descarrilava de vez em quando do caminho. ‘Surtava’, começava a sonhar com umas coisas nunca pensadas antes nessa família, que não faziam nenhum sentido na lógica do Prof. Osvaldo. Mãe, quantas vezes vi você fazer defesas apaixonadas de ideias e projetos que pareciam irracionais aos olhos externos à ‘família exemplar’ e quantas vezes assisti você mesma os calar, pra não ver um possível barco afundar. Sabe mãe, eu de vez em quando tenho esses ‘surtos’. De vez em quando sou obrigada a bradá-los, como você fazia. Perdi o medo do enfrentamento em casa. Também não sou compreendida, como você também não era. Mas agora eu sei que razão que não se conecta com o coração não tem mesmo razão de ser. Acho que você suspeitava disso, mas essa é nossa diferença: eu escolhi ser dona das minhas utopias e usá-las como armas contra os nãos do mundo e até contra mim mesma. Você ‘escolhia’ o papai. Mas mãe, eu te entendo. Eu te entendo.

Sei também que nossas palavras, as que amamos, se misturam nas nossas lágrimas. Essas lágrimas que sempre nos deslegitimaram, que sempre nos enfraqueceram. Essas lágrimas-emoções, essas lágrimas-medos, essas lágrimas-confusões, essas lágrimas-inseguranças, essas lágrimas-tristeza, essas lágrimas-solidão... desarrazoadas sempre. Longas e muitas, sempre. Dizem por aí que somos tão parecidas... cabelos, olhos, sobrancelhas, testa, pêlos. Mal sabem das nossas reais semelhanças. E eu ainda acho que guardo mais traços do papai do que seus (sei que você concordaria).

Nos últimos dez anos, mãe, eu conheci Manoel de Barros, li um pouco mais de Drummond de Andrade, de Lispector, ressignifiquei Morte e Vida Severina na minha vida, ouvi Grandes Encontros mais profunda e apaixonadamente. Zé continua tocando na caixinha e queria aprender a tocar ‘Bicho de Sete Cabeças’ pra realizar teu desejo. Assisti a um show do próprio, na madrugada do meu aniversário no ano passado. Ganhei de presente ele e um pedaço enorme seu. Fui também um dia desses a um tributo ao Raulzito. Você teria adorado.

Me pergunto se a gente falaria hoje de Doces Bárbaros, Chico, Bethânia, Marisa Monte, Rita Ribeiro e umas outras coisas que tenho ouvido por aqui. Será que discutiríamos Beauvoir e Paulo Freire? Será que dividiríamos nossa inequívoca decepção com o PT? Será que você aceitaria o fato de que eu não desejo ter um carro, porque prefiro lutar por e usar o transporte público? Acho que inicialmente você reprovaria, afinal, 'qual mãe não quer pra filha uma vida melhor do que a que ela teve'? Mas sei que com um tanto de diálogo, você compreenderia meu ponto.

Aprendi a bater o chinelo nos jogos do Brasil na Copa, do jeitinho que você fazia. Aprendi a beber cerveja. Será que beberíamos juntas? Já fumei uns cigarros e lembrei que você um dia parou porque engravidou. Pois é, mãe, também amo sarapatel. E adoraria umas rodadas de carteado e política com você. Você comandava na casa da vó, lembra? De vez em quando, pratico aquelas suas manias de limpeza e varro cada cantinho da casa. Mas tem dias que deixo virar zona e acho que você morreria de decepção. Aprendi a usar lápis nos olhos. Ficam realçados e ainda mais parecidos com os seus.

Cê acredita, mãe, que beijei pela primeira vez com 17? Mais uma semelhança em nossas vidas. Fico imaginando o que você teria dito quando te dissesse que, com esses mesmos 17, comecei a namorar. Será que você teria gostado dos namorados que tive? Me apaixonei algumas vezes nesses 10 anos (provavelmente mais do que você em sua vida toda) e concluí (advinha?) que, apesar de todos os (muitos) pesares, papai continua sendo o homem da minha vida. E o mais louco é que ele não sabe e nem consegue enxergar. Fiz coisas que senti orgulho. Outras, nem tanto. Andei ‘saindo da linha’ e fiz umas coisas que no fundo desejo que você nem sonhe (se tiver visto de onde quer que você esteja, perdão mãe, mas tava vivendo).

Tô aqui com 26, ainda muito longe de ser aquilo que nós duas sonhamos que eu fosse. Cada dia mais velha de atitudes e mais menina de argumentos. Acabei lembrando que você com 27 tava parindo o primeiro filho. Espero, sinceramente, que nesse ponto não tenhamos experiências iguais (acho que você também espera). E mesmo com esses 26, rio muito e de muita besteira. Será que a gente riria das mesmas bobagens? Você era uma palhaça de carteira assinada, muito boba e cheia de presença. Era sempre notada ou sempre se fazia notar. A tia gaiata da família, a brincalhona dessa casa. Presumo que teríamos um longo caminho de piadas mal contadas e risos incontidos pela frente. 

Deixei Backstreet Boys (ou Bequebói, como você chamava) na adolescência (Jr, ao contrário de mim, continua vidrado nas Spice). Transferi todo aquele fanatismo pro Zeppelin. Será que você teria procurado incansavelmente o DVD recém-lançado pra me dar de natal, como fez em 1999? Na verdade, Zeppelin tem uns solos de violão e guitarra que acho que você ia se amarrar. Ah mãe, se você conhecesse a galera massa com quem me aventuro pelas ruas... Dizem que são loucos e revolucionários. Um pessoal que ocupa e faz manifestações, grita contra o governo e muito, muito mais, que se mobiliza e sonha... conheço gente que já apanhou de polícia numa dessas oportunidades, como quase aconteceu com você, na frente da Câmara Municipal. Aliás, sinto muito também por você não ter tido tempo pra me ensinar a ser atrevida, desaforada e a não ir embora pra casa entalada. 

Tem umas pessoas que a vida me deu nesses dez anos que já estou convencida de que vieram parar no meu caminho por obra sua. É com elas que aprendo a ser mais como você. Sabe aquelas utopias? Com essas pessoas eu descobri que ‘sonho que se sonha junto é realidade.’ Acho que se você tivesse tido a sorte que tenho no que diz respeito à amizade e companheirismo, você teria ajudado a estremecer Teresina. Dia desses, uns três anos atrás, estávamos eu e alguns desses amigos em um quiosque da cidade e tocou ‘Reggae do Maneiro’, dos Raimundos. A gente cantou junto e riu junto. Eu tive ali a clareza que aquele era um grupo com quem você iria zoar. Você amava essa música e perdi a conta das vezes que fez peripécias quando ela tocava...

Costumo dizer, especialmente a mim, que você vive por meio dessas pessoas. Cada um, com suas peculiaridades, me traz as melhores coisas suas. Sinto que nossas pontes, feitas de respeito, cuidado e amor, me levam até você. Através dessas pessoas, descobri suas outras moradas, além de dentro de mim. As coisas tangíveis mais bonitas do meu mundo, esses meninos e meninas, como você um dia foi. Não há coincidências. E aí, onde todos vocês se encontram, vivem as coisas intangíveis mais importantes na minha existência. Eu sinto o amor...

Ah, Maria minha, tantas coisas que nem poderiam mais ser as mesmas. Sábados sem seu bolo de chocolate. Noites sem o cuscuz mergulhado no leite. Você refletida no espelho da penteadeira, onde com um pente na mão, derramava toda sua vaidade. Tenho gravados na memória seus movimentos de quando cuidava dos cabelos, provavelmente a parte que você mais gostava em si. Gostava tanto de quando você colocava a cabeça no meu colo, pra que fizesse cafuné e te dengasse. O cheiro do seu cabelo nunca se esvaiu do meu olfato. Reconheceria a kms de distância. Cê sabia que ainda sonho com o dia que terei novamente tua benção e teu beijo antes de ir dormir? Sabia que ninguém nunca mais acariciou e amou minhas bochechas como você? E tem dias que daria tudo pra voltar ali, naquelas noites quando você dialogava, ainda que brigando, pelas minhas ocorrências no colégio, que você levava anotadas na sua agenda depois de uma visita surpresa aos meus professores. Você me deixava sem argumentos e escapatória e ameaçava dizer tudo pro papai. Eu ficava com raiva, mas me calava. Sim, eu voltaria ali, praquele momento tão trivial, mas tão nosso e que é hoje apenas uma lembrança de você por aqui.

Aliás, mãe, voltando ao nosso apartamento e aos sábados, papai e Jr saem, cada um no seu carro (pois é, Jr tem um carro) e eu fico aqui, no quarto. Tem sido assim nos últimos 3 anos. Cê sabe que sempre curti uma solidão no meu canto. Mas tem dia que nem é curtição. Acho (sinto) que tô sozinha, mãe. De vez em quando bate um vento frio na janela, aquele ‘frio que suplica um aconchego’. Tem dia que queria um xodó de namorico, mas na maior parte das vezes, penso que aquela brisa passando pra me acariciar são suas mãos me certificando de que você tá sim em casa, comigo. Cê já deve ter notado que eu danço sozinha na sala e que canto alto e desafinado, pra ensurdecer a vizinhança. Sei lá, é meu jeito de ser eu, de ser só e até de ser feliz, já que a solidão muitas vezes é o que me resta. Caso você não tenha visto, sempre olho pra sua foto, ainda mais nesses dias, enquanto converso com você. Você, minha companhia permanente.

Já andei te procurando por aí. E às vezes acho que você se esconde nas coisas que eu não consigo entender. E entre muitas outras coisas, eu queria entender porque lhe vejo tão nitidamente ali, no limite do azul que separa o céu do mar e, logo eu, nessas condições, moro na única capital nordestina sem mar. Nessas horas, acho que você vive tão longe, inatingível. E depois dos últimos acontecimentos (penso que você já deve saber), adquiri certo medo de pegar a estrada pra chegar até o litoral, pra chegar até você. Quando chove, me pergunto se você tá protegida, se tá sentindo frio. E aprendi vivendo e por você que o choro não necessariamente é uma tarefa exclusiva. A gente chora enquanto canta, enquanto ri, enquanto lava a louça, enquanto pega um ônibus, enquanto arruma a mochila, enquanto tira as espinhas do rosto... enquanto escreve. Sobre choro eu sei. E tem sido mais difícil segurar com as últimas perdas.

Será que você vai achar enfadonho se eu falar de saudade? Eu sei, eu sei... eu venho falando a mesma coisa há dez anos. Mas você também deve sentir. Poxa, já são dez anos (que parecem um século) que a gente não se vê. Pior é saber que é pra nunca mais. Mas mãe, para além de um inconformismo violento que às vezes me arrebata pela tua partida prematura, que te deixou tão longe de ver as muitas coisas que você sonhou em ver e que nunca vai me permitir te ver velhinha, olhando pra trás dizendo que tudo valeu à pena, é tudo sobre saudade. Saudade que nunca regride, não dá um tempo, não arreda o pé, arranha, perfura, esquarteja, espanca e noucateia o coração.

Onde é que eu encontro outro amor igual ao seu? Aquele que se preocupava até se eu tava aprendendo a lavar minhas calcinhas? Quem mais se preocupa com minhas pequenezas? Quem mais me beijaria pelas minhas grandezas do cotidiano? Quem mais pra me chamar de Juju, querer conhecer os meus detalhes, pensar em tudo pra me ver sorrir? No meio das minhas crises, eu não conseguia enxergar que você tava ali o tempo todo pra mim, que seu amor não falhava. Quem mais pra se esforçar em me dizer as coisas que eu precisava saber sem me machucar? Quem mais pra gritar nessa casa a cada vitória minha, por menor que fosse? Eu tento gritar pelo papai, pelo Jr. As conquistas deles são minhas. Mas a verdade é que eles não gritam por mim. Só você faria. Só você era assim. Me diz, mãe, quem mais pra dá meu primeiro sutiã e ver algo numa loja e lembrar da Juju? Eu sinto falta de cada coisinha, que hoje é cada coisona...

Só eu sei o vazio que você deixou e a vida minha que você levou praí, onde você tá. Ninguém preenche nem traz de volta. E não consigo evitar de pensar que mesmo que eu só viva teus 45, ainda assim terei vivido mais anos sem você nos meus dias do que com você. Por isso preciso achar que a gente se comunica, conversa, que a gente se entende, que a gente é amiga. Por isso escrevo essa carta, mesmo sabendo da impossibilidade da resposta. Meu coração precisa saber que não se perdeu do teu. Escrevendo-te, quero acreditar que você pode me abraçar (e que saudade do teu abraço!) nas nossas palavras, as que você me ensinou a amar.

Lembra aquele dia que quando eu tinha uns 9 anos, abri um dos seus livros e tinha a letra de Domingo no parque, do Gil? Eu te disse, encantada: ‘olha, mãe, a Juliana com um sorvete na mão’. Você me disse: ‘Juju como tu.’ e me beijou, com o afeto de sempre. Mãezinha, ah se você pudesse dimensionar o quanto tua Juju queria te rever... não sumiria por tanto tempo, nem teria ido. Eu sei, não era você quem decidia...

Tem tantas coisas mais que te escreveria. Eu tenho 26 anos de amor acumulados, dez dos quais eu fui privada de demonstrar. Ando meio perdida. E continuo fazendo tudo errado. Eu não sei me acertar, mãe. Nem me cuidar. Pois é, ainda precisava de você, afinal. Mas tô deixando a vida me bater e me ensinar. Tô quebrando a cara feito uma condenada e ainda não rompi meu círculo de melancolia e dependência. Me sinto doente, ainda que sorrindo. E tô sorrindo, apesar do mundo.

Falando em mundo, eu tenho sonhos pra ele. Acho que você os conhece, porque não param de protagonizar meus pensamentos. Creio que você acesse meus pensamentos. Sabe, rola um lance de onipresença quando alguém que a gente ama parte assim, como você. Mas a verdade é que por mais cores que eu use nesses sonhos pra pintar o mundo, vai sempre faltar o tom de vermelho que você usava nas suas roupas e que não colore mais essa casa. Nada é perfeito...

Enfim (suspiros profundos), para as últimas linhas dessa carta, eu te deixo palavras interpretadas por Marisa Monte, que falam mais do que todos esses parágrafos:

'do céu amor vai chover
tua pessoa, Maria.’


A ti, Regina, minha Maria de verdade, todo o amor do meu mundo.
Juju.

Teresina, 09 de abril de 2013, às 17:01