em tempos de lutas coletivas, de revolução e indignação nas ruas da minha cidade (e que orgulho do povo teresinense!), sinto como se eu estivesse cometendo um crime (ao contrário dos presos políticos aqui apreendidos na última terça-feira) em parar pra escrever sobre mim e fazer essa postagem. mas lembrei da função a que destinei esse blogue, assim como a pedaços de papel soltos, folhas finais de cadernos e diários.
"...preciso demais desabafar." colocar em algum lugar do mundo, mesmo que seja apenas meu, essa angústia que me transforma em ameba, lixo humano. preciso entender, mesmo que sozinha, essa confusão estúpida, vulgar, egoísta que vem me invadir. preciso me entender, entender meu tempo e toda essa cachoeira de dor que insiste em se derramar por/em mim.
eu não tenho medo da morte. aliás, ela tem estado tão próxima, que já é quase banal. isso não quer dizer que eu lhe seja indiferente. acho até que a morte traz sabedoria a quem sobrevive, nem que seja forçada. se ela viesse hoje até mim, confesso, eu iria feliz. não pela vida que tenho, como se partisse de missão cumprida, tendo sido a mais feliz das viventes, mas pela morte em si. tenho sentido uma saudade imensa do que não tenho mais. chego a acreditar piamente que após a existência terrena deve haver um conforto pra alma que fica vazia com a perda de alguém. quiçá/oxalá um reencontro! eu tenho medo mesmo é de mim, viva!
o medo é quase como alimento pra mim. eu diria que alimento com agrotóxico. meu veneno diário. em verdade, me sinto morta, de tanto medo. 24 anos de morte quase ininterrupta. não nasci pra viver, pelo menos não muito até aqui. nunca questionei um professor, por medo. cresci sem grandes contestações a meus pais. pouco ou nada transgredi a ordem aqui estabelecida. pouco fui punida. servir de experimento para tal função pedagógica da pena, entretanto, não me apetece nem me deixa orgulhosa do meu passado: nunca ter apanhado demonstra que sempre obedeci ao que me era imposto, sendo certo ou errado, sendo justo ou não, ferindo a mim e meus direitos ou não. sempre temi, mais do que protestei. na escola, ser motivo de chacota ou humilhação sempre me causou um efeito desprezível: corria, me escondia do mundo, ao invés de partir pro confronto. desconheço a arte do enfrentamento.
o direito de pensar, porém, nunca me foi negado. aos meus pais, a minha mais profunda gratidão por isso. podia o orçamento operar no vermelho no fim do mês, mas deixar de comprar o livro que fosse preciso/pedido nunca foi sequer ato por eles cogitado. eis aí o berço de toda a minha angústia: quem pensa, questiona, mesmo que silenciosamente. meus pais me ensinaram a pensar, mas me reprimiram a ação, a força transgressora. me incutiram o medo e a ele eu sempre fui fiel (a única fidelidade de que partilho: a que se firma com os próprios sentimentos), embora tenha conspirado a vida toda contra ele, lhe sendo desleal. que inútil: minhas lutas internas sempre me mostraram que ele é muito maior do que eu. cá estou, escrevendo sobre o próprio.
meus anos de universidade foram verdadeira saga do conflito questionamento/contestação/indignação X medo. advinha quem saiu ganhando? cinco anos desesperadores, onde transitei entre o movimento e a inércia, entre o coletivo e o individual, entre falar e não falar. calei, na maior parte das vezes. fugi de mais um bocado de chances. e hoje sou um poço profundo de arrepedimento pelo que me neguei viver, pelos momentos e construções que me usurpei.
meu medo tem dessas manipulações: ele me coloca contra mim. e em dias como os últimos, eu só tenho ódio e descrédito gratuitos pela Juliana de Andrade Marreiros. é tanto ódio que não queria mais existir. não, não quero mais exsitir. eu não quero mais estar no mundo, eu quero vivê-lo. mas eu não sei. nunca soube. não se vive caladx. não se luta caladx. não acredito nem no sorriso silencioso. parece frio, falso. sou esses 1,58 m de mudez. mesmo parecendo pouco, é muito pra mim. eu explodo todos os dias, quieta. cansei de ficar juntando meus pedaços.
eu não posso mais mentir. enganar a quem? não desejo estar aqui, nessa subvida. não tenho vontade de sair. não tenho vontade de ficar. não entendo os dias. nem queria acordar. há tempos não consigo ouvir. meus ouvidos se fecharam, porque não se ouve bem quando se encontra em coma. me sobra impotência. não sei que horas são. não sei meu RG (melhor seria não ter). não tenho vontades. respiro por aparelhos, quais sejam, as promessas falsas que andei fazendo. ando pequena, encolhida, nula. nem os sentimentos, esses que eu sempre dei um jeito de expressar, escaparam da minha covardia, do meu silêncio. escrever já não me ajuda. escrever se resumiu a nada.
estou morta em 2012, ainda que pareça prematuro dizer isso. vou na contra-mão de Belchior que, cheio de certezas, afirma "ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro!" que inveja, caro Belchior!
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